Quinta-feira, 24 de Fevereiro de 2005

Conselhos Práticos para Beberrões (Parte III.1)

Uma das grandes maleitas que assoma os extensos filões de Alcoólicos Unânimes que deambulam por este mundo perdido e intolerante, dá ao orgulhoso AU uma série de idiossincrasias que o assemelha ao vampiro. De certa forma, os AU são como os mordedores de pescocinhos de jovens incautas: muita gente fala deles, mas ninguém os viu. Tudo deriva do facto de os verdadeiros AU terem no Alcoholic Stealth um desempenho magistral. Passo a explicitar: tal como os vampiros, we only come out (fully) at night. Durante o dia, muitos de nós somos seres funcionais, brilhantes até, mesmo que a purificação (por oposição ao leigo termo intoxicação) comece ao pequeno-almoço.

3. A LANTERNA DIVINA ou ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA MATINAL
Um belo dia de semana, saímos à hora do trabalho, pudemos descansar ao chegar a casa. No início da noite, há algo que parece faltar, as nossas veias estão geladas, o céu da boca está seco, o coração palpita, os músculos do braço contraem-se como se à procura de um copo no qual possa agarrar. Há que sair de casa para ir beber uns conhaques.

Ao chegar ao nosso bar-fornecedor-de-talocha preferido, somos confrontados com um grupo de amigos que não víamos há alguns dias. Como eles já começaram a beber, têm muitas saudades nossas. Sentimo-nos instantaneamente impelidos a partihar desse amor fraterno que existe no coração de um Alcoólico Unânime mas que está, muitas vezes, camuflado pela força opressora da sobriedade.

22h - Les Xiripiti (Fase I da Bebedeira - 1 a 3 copos)
Para quem ainda desconhece o termo, Xiripiti é o nome atribuído a qualquer preparação alcoólica que contenha mais do que duas bebidas distintas, no âmbito do lingo AU. A melhor maneira de garantir que o percurso para a estupidificação é glorioso é começar de forma agressiva e determinada. Nada como um bom Vodka com Absinto para começar, coisa suave. No espaço duma hora, será normal que se chegue ao terceiro. Estamos ainda na 1ª fase da Bebedeira.

Ao fim do terceiro copo, é normal que se queira dar um abraço a um desses amigos e dizer qualquer coisa do género "Já sentia falta disto" ou "Gosto muito de sopa!". Por esta altura, será normal a consciência começar a espernear e dizer-nos que às 23h vamos embora para casa, porque o dia seguinte é de trabalho. Qualquer Talochofóbico passa despercebido ao nosso olhar, porque ainda não estamos bêbados. Os nossos padrões de beleza permanecem intactos, pelo que qualquer ser do sexo oposto que nos atravesse o olhar é perfeitamente ignorado.

23h - Beware Of Straws (Fase II da Bebedeira - 3 a 6 copos)
O ritmo de ingestão de bebidas alcoólicas será reforçado nesta 2ª fase. Queremos pagar bebidas a toda a gente, e os nossos amigos insistem que nós bebamos mais, apesar de ainda termos um copo na mão. Faz parte da ética do verdadeiro AU nunca recusar uma bebida, especialmente quando é oferecida por um amigo. Aliás, especialmente quando é oferecida. Digo, quando ela existe (e não há limites para a imaginação). Alcoólico Unânime que se preze, beberá de um trago o remanescente conteúdo do seu copo e perguntará logo que possível, ou depois de expelir flatulência "Então? Onde é que está o meu copo?" ou "Quem é que fez um furo no meu copo?". A partir dessa altura, será requerido, e muito normal, que o AU desconfie de toda e qualquer pessoa que se faça acompanhar de uma palhinha e lhe pergunte "Foste tu que bebeste o meu conhaque, não foste?"

Se o AU começar a desenvolver ideias ridículas de ir para casa porque o dia seguinte é de trabalho, os restantes AU's deverão tomar a responsabilidade de o manter no bar, oferecendo-lhe "só mais um copo, vá lá, depois podes ir embora". A ingestão dessa generosa oferta deverá ser seguida, imediatamente de um suspiro (ou flatulência, tanto faz) e de um lamento "Ah... tenho tanta sede!", um olhar terno e lacri-cri-mejante. Como uma das regras dos AU é nunca deixar um amigo com sede desamparado, o AU que outrora tivera ideias de deserção precoce irá abandonar esse propósito inusitado, patrocinado por nova oferta dos seus companheiros de alarvidade beberrológica.

É normal que, nesta fase, os seres do sexo oposto comecem, das duas uma: a parecer mais atraentes; a ser cada vez mais um alvo preferencial do nosso afiado sentido crítico, com reforço da nossa capacidade inata de escárnio e mal-dizer. (nota pessoal: confesso que sou particularmente adepto desta vertente)

24h - Tenho Uma Lágrima No Canto Do Olho (Fase III da Bebedeira - 6 a 9 copos)
O primeiro sinal de que um grupo de AU começa a ter bêbados no seu seio, é a existência de um dos membros a tentar levantar no ar um dos seus companheiros. Normalmente tratar-se-á de alguém que é tido como lingrinhas, e que precisa de se afirmar levantando um dos seus companheiros que pode só pesar mais do que o dobro.
(nova nota pessoal: lembro-me perfeitamente de quando apontei este sinal como revelador de uma beberrologia avançada: estava a tentar levantar no ar um jovem companheiro AU que pesa 140+ kg, o que excede em mais do dobro o total do meu actual peso corporal. Cedo cheguei à conclusão que é muito mais fácil levantar alguém que pesa só 110)

"Ok, depois de levantar mais este, e provar a minha hercúlea capacidade de levantamento do badocha, vou para casa, porque amanhã tenho que ir trabalhar", é um pensamento que, em casos normais de beberrologia bem sucedida será seguido de "Bem... mas se for só daqui a uma hora, ainda consigo dormir o suficiente, e ter tempo para um banhinho quente antes de sair para o trabalho".

A partir desta hora, todos os pensamentos sobre trabalho serão apagados e, caso excepcionalmente ainda não o sejam, cabe aos restantes AU's tratar de falar apenas de pormenores fúteis e insignificantes, nada de muito profundo que possa levar a reflexões laborais que não sejam "Gostava muito de ser pastor na Nova Zelândia... ou no Burkina Faso, tanto faz", sendo que é a referência ao país da África Central o que revela o incipiente estado de nanição etílica (o oposto de inanição, no lingo AU).

É muito provável que se comecem a verter algumas lágrimas, saudades de tempos que não houve, ao balcão, agarrado a um copo de meio litro (e as memórias são sempre dos copos cheios, e nunca dos vazios, porque dos vazios não reza a história).
O saco lacrimal está a preparar-se para mais uma acervo de fraternidade.

25h (ou, vulgarmente, 1h) - Tenho Xi-Xi, e Vou Fazê-lo - Fase IV da Bebedeira (10 a dezamuitos copos)
Começa a urgência da deambulação. Seja ela em direcção à casa-de-banho mais próxima, porque a bexiga, infelizmente, não é tão expansível como gostaríamos, seja em direcção a outros antros da perdição hepática.

Na nova cabalística Alcoólica Unânime, a partir das 10, todas as bebidas serão contabilizadas com o prefixo "dez". Exemplifico: à vigésima bebida, devemos sempre contabilizar dezavinte. Há uma razão simples por detrás disto. Ou à frente, mas a esta hora já não interessa. Perante os Talachofóbicos que começam a poder reconhecer que estamos a ficar alcoolizados (com tudo o que isso traz de bom), nós teremos sempre bebido menos do que realmente emborcámos. Nunca chegaremos aos vinte copos, ficaremos sempre pelas dezenas... por outro lado, é um reforço para continuar, como um coelho ao qual nunca se chega numa corrida de galgos.

(CONTINUA)
publicado por Onyros às 15:28
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1 comentário:
De Anónimo a 16 de Março de 2007 às 07:17
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